Risoto de camarão: Quando o cozinheiro quebra a cara

A casa caiu, negada. Fiz merda, pisei no tomate, peidei na farofa e dei bola fora. Tudo na mesma hora. Engoli seco e só não chorei de vergonha. Senão tinha chorado.

Ao complacente leitor, peço encarecidamente que amoleça esse seu truculento coração, e me permita compartilhar o momento de profunda tristeza à qual sucumbi no final de semana último. No domingo, Dia dos Pais. Sente o drama...


- fica tranquilo, dotô... nosso manobrista é dez, pode confiar!

Eu sou casado. Logo, nesse dia, preciso cumprir duas obrigações de filho, uma com o meu pai, e outra com o meu sogro. No mundo ideal, eu passaria o dia com o meu pai, e a patroa com o pai dela. Mas como o mundo ideal é um negócio que só existe no filme do harry potter, a gente sabe que se fizer isso vai chatear papai pela ausência da patroa, e vai chatear o sogrão pela minha ausência. O que, aliás, seria uma sacanagem, já que os dois são pessoas da mais absoluta bacanice.

Diante disso, ficou combinado que almoçaríamos com o sogrão, e jantaríamos com o meu pai. Para o sogrão, restaurante. Para o papai, eu faria a janta.

Durante o almoço, tudo perfeito. Almocinho na beira da represa, solzinho na cabeça, cervejinha na cara e tudo transcorria normalmente. A sogra pediu uma picanha no rechaud, e o destino me colocou na ponta da mesa, para que ficasse com a incumbência de preparar a iguaria. Assim procedi, até que me toca o telefone. Era a Monica, minha irmã:

ela: - e ae fii, belez?
eu: - e ae monication, firme?
ela: - então, o pai tá aqui comigo num churrasco na casa do sogro.
eu: - fudeu.
ela: - cuméquié?
eu: - nadanão.
ela: - e eu vou jantar na sua casa também.
eu: - fechô.

Então, caro leitor, é nesse momento que você descobre como funcionam as coisas e pensa: Assim acontece a merda. Eu teria que fazer uma receita de panela, e não um churrasco. Afinal, não poderia oferecer um churrasco a um pessoal que veio de outro churrasco. Não poderia fazer uma carne de panela, como a rabada, pra um pessoal que tava se empanturrando há pouco tempo atrás. Ou seja, eu teria que pensar numa comida leve, que não fosse carne. Aí que a porca torce o rabo, a pata traseira e um pedaço da orelha esquerda.

Papai não viria sozinho. Papai viria com Dona Ivette, a nonna. Se você não sabe o que significa isso, eu vou te contar: Essa senhora, que me atende pela alcunha de VOVÓ, e por isso torna-se automaticamente mãe do meu pai, é a maior especialidade de toda a humanidade nos assuntos gastronômicos. De todos os tempos, de todos os países, de todas as avós, de toda a galáxia!!!!! Foi a Dona Ivette, com sua culinária Divina, que me ensinou a gostar de comer, e a absoluta destreza dessa senhora para com as panelas e outros instrumentos culinários transcende o conhecimento humano. Isso ficou claro? Ficou? Entendeu o tamanho da bucha que eu tinha nas mãos?

Até aquele momento, estava tudo sob controle. Eu faria um churrasco com boas carnes bem preparadas e tudo ok. Eu sei que faço isso bem, e o mais importante: Dona Ivette não faz churrasco. Portanto, jamais passaria pela cabeça dela a frase "eu faço melhor". Ou seja: a situação era minha, e o universo conspirava a meu favor, como diria a mãe dinah. Mas bateu um vento errado, o universo conspirou contra, e a coisa toda se inverteu.

Voltei pra casa tarde, precisando correr contra o tempo pra fazer alguma receita legal, executando com perfeição e em tempo recorde. Recorrendo à minha fraca memória, optei pelo risoto de camarão, que já foi postado aqui. Comecei os preparativos, e o que posto aqui servirá de lição aos que se interessarem em fazer esta receita.

Comprei 1kg de camarão pequeno e limpo, e, como manda a receita, joguei num pote com caldo de limão. Aí aconteceu o meu primeiro, e maior erro: eu, no desespero de preparar aquele troço logo, não dei atenção à quantidade de limão. Digamos que eu deveria ter colocado o caldo de 2 limões, e eu coloquei uns 6.

Na sequencia, deitei a cebola na tábua pra picotar. Isto findo, algum pensamento leviano da minha mente impura me convenceu de que eu precisava de mais uma cebola. Por algum motivo inexplicável, me deixei levar pela minha própria pegadinha e picotei mais uma cebola.

Na hora do refogado, aquilo já me pareceu demais, mas ainda assim não dei ouvidos à parte sã da minha mente e meti todo mundo na panela.

A receita transcorreu bem até o finalzinho, quando se precisa depositar o queijo parmesão. Que queijo parmesão? O queijo parmesão, oras... Eu havia esquecido o queijo, e não havia mais tempo pra comprar. A família, incluindo a Deusa das panelas, minha vó, estava ansiosa aguardando o risoto do Daniel, cuja fama já havia percorrido seus ouvidos. Maldição, vamos sem o queijo mesmo.

Servi à mesa, a família fez os seus pratos salivando, fizemos um brinde e primeira garfada... detestei. O que eu poderia ter errado ali?

Descobri, e vou te contar, mas não conta pra ninguém: Sabe porque o camarão deve ficar no limão, mesmo sabendo que vamos jogar o caldo fora e só o crustáceo entra na receita? Porque o sabor do limão penetra na carne do camarãozinho, e se você fizer isso com comedimento, vai deixar o seu risoto com um azedinho de fundo que fica uma delícia. Mas o animal que vos escreve exagerou no limão, e o azedinho virou um azedão. Se tivesse açúcar, dava pra fazer uma caipirinha com aquele camarão. E esse azedume todo matou completamente o sabor do camarão, do cogumelo, do tomate, de tudo mundo. Praticamente uma gangue de limões assassinos aniquilando todas as iguarias que eu coloquei naquela panela. A isso some-se uma quantidade desmedida, completamente desnecessária de cebola e temos aí um risoto de limão e cebola, quando deveríamos ter um saboroso risoto de camarão.

Vovó disse que estava bom. Eu não acreditei. Acho que nem ela.

Agora, só me resta aguardar o momento certo, pra fazer uma receita perfeita pra ela, e desfazer essa imagem ruim.

Imagem essa, que só não ficou desacreditada porque vovó experimentou o meu sanduíche de pernil, cuja receita (ainda) não está neste blog, e elevou o pernil à estratosfera da produção gastronômica, com toda a humildade e modéstia que este escriba pode ter. Aguardem que eu ainda posto essa receita, ok?

Vovó... você me perdoa?

8 comentários:

  1. hehe, bem vindo ao clube meu amigo.
    se bem que eu acredito que o que te prejudicou foi a cerveja que tomaste no almoço aliada a ansiedade de fzer bonito pra vóvó.

    o lay out ficou muito legal. parabéns

    aguardo ansiosa a receita do sanduba de pernil.

    Um abraço.

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  2. Creuza, belezoca?

    Ah, eu não encano de errar não. É errando que se aprende. A vó mesma me diz que eu só como comida boa na casa dela porque ela tem a barriga no fogão há 65 anos. Segundo ela, meu avô comia cada gororoba no começo do casamento... e, na boa, eu não duvido, não.

    Mas você tem razão, eu fiquei nervoso com o curto tempo pra apavorar na cozinha, e as brejas ajudaram bastante. Mas se breja atrapalhasse, esse blog não existia. Porque todas, todas as receitas daqui eu fiz com umas brejas na cara :-)

    Abração e boa sorte nos concursos!!
    Daniel Rodrigues

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  3. Ei, po, muito bom esse post. Sou de Aracaju- SE e to tentando aprender a fazer algumas coisas. Gostei dessa receita, vc me faz imaginar a feitura das receitas. A farofa de Angela é um post muito bom tb...:)

    Alexandre

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  4. Fala Alexandre

    Valeu aí, compana. Fico feliz por saber que o pessoal tá curtindo as porcarias que eu escrevo aqui.

    Se você tiver alguma receita malaca de churrasco, manda que eu escrevo aqui :-)

    Abração
    Daniel Rodrigues

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  5. Quem nunca errou no afã de agradar, que atire a primeira pedra!

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  6. É isso aí, Denis..

    O que importa mesmo é a tentativa. A minha avó sempre me disse, que ela cozinha bem porque são 50 anos de panela. Porque até aprender, ela queimou muito camarão :-)

    Abração
    Daniel Rodrigues

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  7. Daniel,

    Re-lendo (existe?), caiu-me em mim, uma pergunta por sí só avassaladora e tão questionadora quanto uma dúvida...

    Cadê o raio da receita???

    Fiquei com H²O na mouth!!!

    Abs,

    Caio Racca

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  8. Caio

    A Receita do risoto tá linkada no texto, você acha fácil.

    Mas acho mesmo que você está se referindo à receita do sanduba de pernil, certo?

    Essa, eu admito que ainda não escrevi no blog, não. Mas já tirei fotos, tá tudo na ponta da agulha, só falta escrever. Vou ver se faço isso essa semana.

    E, te garanto: esquece o lanche do estadão, esquece o lanche do mercado municipal. Esse sanduba de pernil é o melhor do mundo.

    Vou tentar escrever, é que ela é complexa e demanda muita boa vontade pra escrever.

    Valeu

    Abs
    Daniel Rodrigues

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Torrou a picanha? Fez a receita e não deu certo? Dúvidas, sugestões, vai encarar? Escreve aí o que quer, mas não coloca propaganda que isso aqui não é a casa da sogra.