A picanha é a rainha do churrasco. Embora eu discorde fortemente dessa teoria, tenho que engolir o choro: Em 99,9999% dos churrascos que rolam neste país tropical abençoado por Deus, tem a picanha de alguma vaquinha deitada na grelha. E, como já disse em outras oportunidades, isso tem uma explicação lógica.
Picanha é carne for dummies. Você não precisa manjar absolutamente nada de carne pra fazer uma picanha legal. A picanha é uma carne saborosa demais, macia e além de tudo é resistente às suas cagadas. Você, desastrado leitor, precisa ser muito ruim de cozinha pra errar uma picanha. Não tem segredo: salga moderadamente, taca na grelha e tira quando estiver marrom. Picanha fica legal cortada em bifinhos, assada inteira, na churracona, na churraca elétrica, na panela, no forno, até cozinhada na água do miojo. Nem a ana maria braga, a senhora mais doce da televisão brasileira consegue estragar uma carne assim com as suas receitas de misturas mirabolantes e ingredientes duvidosos.
Talvez seja por isso que eu não fale muito de picanha por aqui. Aliás, sinceramente, eu faço pouca picanha nos meus churrascos. Podem me apedrejar por isso, mas eu acho a costela bovina, também chamada de minga ou ponta de agulha, muito mais gostosa do que a picanha. Uma fraldinha bem feita custa 1/3 do preço de uma picanha e fica tão boa quanto. Ou seja, existem alternativas, mas não é todo mundo que sabe como fazer umas carnes assim, e acabam caindo na picanha. Ah, e isso não significa que eu não goste de picanha, eu adoro!! Só que eu sofro da síndrome da churrascaria: Gosto de fazer várias carnes diferentes no mesmo churrasco, e não ficar repetindo sempre a mesma.
Mas o objetivo deste post é evitar que você compre gato por lebre, que te passem a perna, que você vista o nariz de palhaço. E pode anotar aí: isso já aconteceu com você. Certamente já te venderam um coxão duro com um cheiro de picanha, ou aquela picanha linda que você comprou tava dura que nem pedra. Vamos, então, aos X pontos que você precisa verificar antes de adquirir parte da bunda da vaquinha. Comecemos pelo simpático desenho da vaquinha recortada:
Ainda vou tatuar essa vaquinha no braço, vai anotando
Compana, preste atenção ao número 6. Se um dia o seu avião cair nos andes, na índia, na selva amazônica ou na ilha de lost e você der a sorte de encontrar uma vaquinha lá, é bem aí, no número 6 que você deve enfiar os dentes. Recomendo que seja discreto no caso da Índia, pois eles não entendem muito bem essa questão de morder vaca por lá.
Presta atenção também ao número 8. Ele é o coxão duro que, como o nome diz, é duro.
Ponto 1: o tamanho da picanha.
Você chega no açougue e encontra 300 embalagens de picanha à vácuo. Todas parecem iguais, umas mais mirradinhas, outras mais gordinhas, e de repente você vislumbra a carla peres da bunda bovina: uma picanha grande, bonita, corada... dá uma olhada no peso dela, e, orgulhoso, lê: UM QUILO E NOVECENTOS GRAMAS. Grande achado, pensa o astuto leitor. Mas não. Essa, provavelmente é a pior picanha da prateleira. Dizem que os melhores perfumes estão nos menores frascos. Mas vamos mudar o rumo dessa prosa, porque se você fica passando perfuminho pra fazer churrasco, eu desconfio de você e recomendo que vá procurar a receita da picanha de sol no site da ana maria braga. A picanha dela é de sol, mas fica marinando no leite um dia todo. No leite, meus queridos... no leite.... ai jiusis.
Uma picanha não deve, de jeito nenhum, passar de 1,3kg. Eu sou tão chato com isso que não compro picanha com mais de 1,1kg. Se precisa de muita carne, compra duas, mas não leva a grandona. A picanha vem "grudada" no coxão duro, e separar uma peça da outra requer, além de um olho vivo, honestidade. E como a picanha custa 5x o preço do coxão duro, já dá pra imaginar o que acontece, né? Você compra uma picanha e leva uma picanha e meio coxão duro. Com o detalhe que você pagou tudo pelo preço de picanha. Ou seja: Não tenha o olho maior do que a barriga, e nesse caso, o olho maior do que a bunda. Compre as pequenas e seja feliz.
Ponto 2: A capa de gordura.
A capa de gordura é o que vai ajudar a sua picanha a ficar gostosa pra valer. Isso porque a carne dela é bem macia, e a gordura fica por cima, derretendo. Parte dela derrete e penetra (ui) na carne, fazendo da picanha o pesadelo das garotas de regime no seu churrasco. A capa deve ser uniforme, com menos de um dedo de espessura (lembre-se, nem dedo de mocinha, nem dedão de ogro), e igual dos dois lados. Como você não pode cortar a picanha no meio dentro do açougue pra ver se tá boa, imagine que uma capa que vai bem do começo à ponta da picanha, e uniforme de um lado a outro da mesma, deve estar legal.
Algumas picanhas tem a capa de gordura meio amarelada. Isso não é, necessariamente, um mau sinal. Apenas significa que o boizinho que ostentava aquele pedaço de bunda quando vivo já era um boi mais velhinho. Sua capa de gordura vai ter uma textura meio mole e amarela. A aparência é meio esquisita, mas não altera muito o sabor da carne. Se você der um azar dos infernos, pegou a picanha do boi de matusalém e aí vai ficar tudo duro mesmo, mas na maioria das vezes, o boi que comemos nem chega a ficar velho.
Ponto 3: A limpeza.
Dizem que roupa suja se lava em casa. No caso da picanha, prefiro deixar essa parte pro açougueiro ou pro frigorífico. Mas peraí, uma picanha tem que ser limpa? Sim, parceiro. Tem que ser limpa. Quando estiver com a piqueta em mãos, veja a parte de trás dela. Se você enxergar ali umas membraninhas, saiba que trata-se de uma picanha suja. Essa membrana do mal vai esquentar, assim como toda a carne. Como a membrana não tem água, ela vai diminuir de tamanho, e vai bagunçar toda a sua carne. E vai ficar dura pra dedéu. Você tem dois caminhos: Ou compra ela assim e limpa, retirando tudo como se fosse uma etiqueta usando uma faca afiada, ou procura uma picanha limpa. Eu prefiro comprar limpa por um motivo simples: quando limpa, vc joga carne fora, e você pagou por essa carne, e não pagou barato. Então os açougues e frigoríficos desse Brasil que se virem e vendam a picanha limpa.
Ponto 4: a maciez.
Embora, no geral, a picanha seja uma carne super macia, você pode dar o azar de pegar uma peça cheia de nervos, ou que endureceu por qualquer motivo. Nesse caso, recomendamos o teste da dedada, uma grande invenção do meu amigo Pão. Funciona assim: você pega a picanha na mão, vira ela com a gordura pra baixo e enfia o dedão na parte da carne. Recomendamos também que o faça discretamente, pois o gerente pode não gostar muito da realização do teste na sua presença. Feito o teste, fica fácil imaginar se a carne tá boa ou não.
Ponto 5: a cor.
Olha, depois que inventaram o photoshop, eu desconfio de tudo o que eu vejo por aí. Taí a Suzana Vieira que não me deixa mentir.
- Sou uma picanha novinha e macia. E sem coxão duro! Pode acreditar.
Mas em alguma coisa a gente tem que acreditar nessa vida. Então tenha em mente que quanto mais vermelha for a carne, mais novo o boi era, ou mais tinta levou pra ficar assim. Se o boi era novo, é certeza de carne macia. se tinha tinta, lamentamos. Mas pode comer assim mesmo, tem tanta tinta na comida da gente hoje em dia que já tá quase virando tempero.
Bom, são essas as dicas pra compra de uma boa picanha. Pequena, macia, limpa e vermelha. Se você conhece algum outro teste, mais alguma dica infalível pra escolha da picanha, comenta aqui!
Bom churrasco. Me convida #prontofalei.
[update] O leitor Raphael Neiva, se São Bernardo do Campo, me deu uma bronca e ele tem razão. Além disso, é dono de açougue e neste blog a gente enche a bola desses caras mesmo. A questão é que neste post estou falando das picanhas que encontramos em supermercados e açougues comuns. No caso de uma carne classe A, tipo exportação, a picanha pode ser muito maior do que 1,2kg. Portanto, se você tiver a sorte de experimentar uma dessas pra comprar, pode ser mais flexível quanto ao tamanho.
Essa foi a minha bronca. E eu retribuo: O Raphael escreveu isso como comentário lá no post do queijo coalho. Queridão, errou por pouco, hein!
Aliás, manda pra gente o endereço do açougue, faço questão de divulgar quem vende carne boa.
Valeu!
[update 2] Mais um leitor conhecedor das picanhas e maravilhas do mundo das mimosas e sua saborosa lataria me procurou para avisar que, respeitosamente, utilizou um pedaço deste parco pergaminho num post para o seu blog. Colocou os créditos e tudo mais. Mas, ao conferir, pude notar que ele escreveu muito bem sobre as grandes peças de picanha, as quais reneguei neste post. Recomendo a todos que o visitem e conheçam mais este lado tão palpitante desta peça de carne que tanto amamos: a picanha. Conheçam o blog do Alexandre Mitre!