Eu nunca gostei muito de arroz. Quebrava o pau com a mãe quando eu era criança por conta disso. Pra mim, arroz sempre foi comida de vitecongue, e o coronel Bradock passou a minha infância dizendo que esses caras não prestavam. E, se o Chuck Norris em pessoa mete bala no vietcongue que come arroz, quem sou eu pra desafiar o cara?
Vô queimá teu arroz, vietcong!
Pensa comigo: Geral te chama pra uma feijoada. Pra que serve o arroz? Pra fazer o reboco com o feijão, mais nada. Você foi pra uma feijoada, e não pra uma arrozada. Geral te chama pro estrognofe, sabe lá Deus de onde veio esse nome. Quem tem gosto, cara, cheiro e nome? O estrogonofe, cazzo. O arroz tá lá só pra fazer reboco. É estrogonofe, e não arrozgonofe. Ninguém nunca vai te chamar "ow, véi... bora lá em casa comê um arrozão?". Se chamar, não vai. É roubada na certa.
Mas alguma coisa me bateu na cabeça hoje que eu inventei de fazer o tal arroz no jantar. Cheguei em casa empurrando o esqueleto porta adentro, deixando a alma no elevador e a coragem na escada de incêndio. A patroa tava na cozinha, e como a fome já fazia meu estômago roer a ponta das costelas, começamos a discutir que ração deitaríamos na pança. Churrasco tava fora de cogitação por conta da chuva, então me veio à mente o tal risoto de camarão. Nunca fiz camarão na panela (só assado na churraca, e ficou bom), então revesti a carapaça de toda a coragem gastronômica e bora pra internet achar uma receita de risoto de camarão. Achei uma meia dúzia e, como sempre, li todas e chutei o que seria bom de uma e o que seria bom de outra.
Aliás, essa é uma técnica maneira pra cozinhar: leia várias receitas diferentes do mesmo prato, você pode pinçar idéias excelentes. O google taí pra isso, parceiro. Sente só:
A receita 1 diz que o contra-filé fica legal ao molho madeira.
A receita 2 diz que o contra-filé fica legal fritinho na manteiga.
A receita 3 diz que o molho madeira é feito de vinho.
Você pode cozinhar o contra-filé com manteiga derretida e inventar um molho de vinho.
A ana maria braga vai inventar um filé de madeira na manteiga de nozes, vai dar o vinho pro cachorro, decorar com a folhinha e assim se faz uma receita de sucesso!
Voltemos aos vietcongues, sorrateiramente incorporados na minha arcada dentária. Eles me diziam pra correr ao supermercado mais próximo comprar todo o arroz que eu pudesse carregar. E eu, que não sou besta nem nada, joguei o famoso Migué na patroa e pedi a ela que preparasse um arrozinho enquanto eu comprava os camarõezinhos no mercado.
Faço aqui um adendo importantíssimo: Se você acha que eu vou gastar meu teclado ensinando a fazer arroz, se enganou. Não se esqueça, eu não sou vietcongue, não sei fazer arroz, nem quero saber e tenho raiva de quem sabe. Portanto, faça como eu: dê um gato na sua mãe, irmã, vizinha ou na sua patroa, peça que façam uma panelinha de arroz pra você. Mais ou menos o que daria uns 3 pratos cheios, se você fosse bocó de comer só arroz.
Voltei com 500 gramas de um camarãozinho honesto e limpinho. Na real, nem ligo muito se ele era um camarão honesto, mas limpinho é fundamental. Como você já deve ter ouvido, o camarão é um puta bicho porco e, dizem, come a merda no fundo do mar. Mas, se ele é porco porque come merda, eu sou porco porque torço pro Palmeiras e nóis tamo tudo no memo trem, então é limpinho que ele vai pra minha panela. Entendeu, compre o camarão mais barato que você encontrar e, limpo, sem cabeça e sem a bosta nas costas que aquilo é nojento.
Pegue os 500g de camarão limpo e jogue num pote. Como em todas as receitas de cozinha, se prepare pra sujar muita louça (e ainda falam do churrasco. Fala sério, mulherada). Esprema junto aos camarões uns 3 limões, e deixe ali todo mundo quietinho. Qualquer um que já comeu um espetinho de camarão na praia sabe o quanto camarão e limão nasceram um pro outro. Como um nasce no mar e outro no limoeiro, cabe a você fazer funcionar o feitiço de áquila e unir os dois pombinhos. Então faça isso, jogue limão no camarão e deixe lá enquanto você prepara o resto.
E preparar o resto inclui um monte de coisas, e você pode começar picando uma cebola. Nem precisa picar tão pequeninho quanto a cebola do hamburger de fraldinha, mas é bom não deixar aqueles tecões de cebola. Moral da história: picota uma cebola média e boa.
Picota também uns 4 dentes de alho e guarda num pires. Picar alho (the best trocadilho EVER) não dá muito trabalho, mas deixa a sua mão um nojo. Se você pretende fazer um carinho numa garota, cuidado, essa receita pode te deixar solteiro.
E, já que você se tornou o Picotão da noite, picote também um tomate grande, também conhecido como too much. Tá, piada infame à parte, picota esse tomatão ae e guarda em outro pote.
Se pensa que a picotagem acabou, errou: dê o picote nuns 6 ou 7 champignons. Nem precisa ser muito pequeno, só não manda o cogumelão todo lá dentro pra não parecer uma fase do Mario Bros.
We are the champions, beibê. Vai por mim.
Agora você tem que fazer um caldinho de ervas. Escolha a erva de sua preferência, enrole e ria. Não, não, nada disso. Pra essa receita eu não usei erva nenhuma. Usei foi um tablete daqueles de caldo de carne, só que era de caldo de ervas. Ah, vai no mercado que você acha. Jogue, numa panela à parte, 3 tabletes do caldo de ervas com uma xícara de água e deixe dissolver. Guarda isso que você vai precisar.
Tenha em mãos uma embalagem de queijo ralado. Como eu acho que a frescura dos ingredientes é o que faz uma comida gostosa, comprei um queijo e joguei um migué no amigo Gil, que ralou quase uma xícara de parmesão. Rala que rola, Gião.
Depois de tanto preparativo, tava na hora de começar a cozinhar esse troço.
Recapitulando:
- Você tem uma panela de arroz te esperando?
- Você tem um pote com uma cebola picada?
- Tem uma xícara de parmesão e um amigo com o dedo ralado?
- Terminou de picar alho?
- Tem um camarão mergulhado no limão, achando que é caipirinha?
- Tem um tomatão picotado num terceiro pote?
- Tem cogumelos destruídos em Mario World?
- Tem uma panela com um caldo de ervas derretido?
Então você tá pronto, arrume uma panela grande. Prometo que é a última peça de louça que vamos sujar. Jogue nessa panela um pouco de azeite, o suficiente pra cobrir de leve o fundo da panela. Acenda o fogo. Em alguns segundos, o azeite esquentou e você pode jogar toda a cebola. A missão agora é mexer a cebola enquanto ela frita. E essa missão nem é difícil porque o cheiro é bom. Quando ela ficar amarelinho e parecendo transparente, tá frita. Hora de jogar o alho. Misture tudo um pouco.
Enquanto frita ali, seja rápido: pegue o pote com o camarão, jogue fora o excesso de limão e manda todo mundo pra panela, junto com o alho e a cebola. Deixa eles ali, e mexe de vez em quando.
Agora fica com aquele climão de que vai rolar uma decepção, mas não se preocupe: o camarão perde muita água, diminui de tamanho e aquilo fica parecendo uma pia de porco. Mas vai na fé que tá tudo certo.
Hora dos tomates. Too much hour, como eles dizem lá. Taque todos na panela, e comece a mexer. Naturalmente, os tomates vão começar a se dissolver, e é nessa hora que a magia acontece.
Ô loco, meu... Mais do que nunca, tanto no pessoal quanto no profissional, é a hora do Brasil inteiro curtir.... O CHAMPIGNON!!! Isso mesmo, ponha fogo no fausto silva mais próximo da sua residência e taque todo o champignon dentro da gororoba. Simples assim.
Hora de aproveitar aquele caldo de ervas que ficou na outra panela e mandar lá pra dentro. Aproveite pra abrir mais uma cerveja. Tome a cerveja e fique um pouco mais feliz.
Agora o seu trabalho é mexer. É como dançar o créu, tem que ter disposição. Mexe até aquele caldo começar a ficar encorpado. E o que é um caldo encorpado? É um caldo que não dá pra tomar de canudinho, simples assim.
Cuidado, encorpado leitor: você está entrando na parte mais perigosa dessa receita. Teletransporte-se até Saigon, certifique-se de que Chuck Norris está dando roundhouse kicks bem longe de você, e taque a panela de arroz dentro do molho. Misture, enquanto veste um chapéu de palha pontudinho e um chinelo de madeira. Yankees go home e continuemos com a receita.
Hora de lembrar dos amigos e jogar todo o parmesão que o trouxa, digo, amigo, ralou, na panela. Misture até o queijo sumir. Ele não some, mas derrete. Você entendeu.
Não deixe assim por muito tempo, o arroz pode queimar, e nunca é bom desagradar os vietcongues. Jogue logo uma lata de creme de leite lá dentro, é ela que vai dar a liga, seja lá o que isso signifique.
Nem precisa ficar bajulando muito não. Dá logo uma colherada lá dentro e veja como tá. Se você usou os 3 cubos de caldo pronto, deve estar bom de sal. Senão, adicione sal com a parcimônia que deus lhe deu e pronto: chama o povo pra comer.
Não se preocupe se o seu risoto ficar parecendo uma pasta, é assim mesmo. O creme de leite dá uma melecada na parada, mas deixa muito legal. Confia que vai.
Eu garanto: a trabalheira monstruosa que essa receita dá vale a pena. Além disso, é trabalhoso mas não é demorado, ao contrário da rabada.
Custo: paguei 14 cruzeiros os 500g de camarão vermelho limpo. A lata de creme de leite deve custar uns 2 mangos e o resto é irrisório. Pratão bom e barato.
Tempo de preparo: Tomei umas 3 brejas. Sirva feliz.
Rendimento: 4 animais comeram isso. Ainda sobrou uma merreca e eu tou achando que vou terminar logo esse post e meter no microondas.
Oi Daniel.
ResponderExcluirDica "me engana que eu gosto" ou "esticando o ingrediente".
Camarão é bom (apesar de alguns hereges não gostarem). Só que tem um grande (e pequeno) problema quando vão ao fogo.
Eles encolhem e se enrolam, fazendo 500g (no seu caso) parecerem 200g, visualmente falando. Estou errado?
Dependendo do prato, os convidados ficam na pescaria de festa junina, catando os mesmos. Coitado de quem se servir por último.
Duas soluções simples:
1) Passe a faca onde seria a "barriga" do camarão (mais ou menos no meio dele), fazendo um pequeno corte sem separar completamente. Isso corta o "tendão" (ou seja lá que nome tenha aquela mola na anatomia dele) e ele milagrosamente não enrola mais.
2) Essa é solução é melhor porque "transforma" 500g de camarão em 1kg. Sempre virtualmente falando.
Corte ele ao meio. Além de cortar a "mola" evitando que ele enrole, viram 2 camarões... :D
Abração
Ayrton Torres é leitor desse blog. Ayrton Torres sabe cozinhar. Ayrton Torres sabe escrever. Logo, Ayrton Torres é Deus!!!
ResponderExcluirAyrton Torres sabe como fazer o milagre da multiplicação. E, como Deus, ele não é bobo, não fica por aí multiplicando pão, não. Já multiplica logo camarão, que se é pra mandar, vamo mandá direito nessa porra!!!
Valeu pela preciosa dica, compana. Vou fazer isso na próxima, porque os camarões realmente sumiram da panela. Apesar de que o gosto continua lá, o camarão diminui drasticamente.
Onde você aprendeu isso? É amigo do Forrest Gump?
Abração
Daniel Rodrigues
senscional esse post heim
ResponderExcluirHeheheh
ResponderExcluirE valeu por ter ralado o parmesão :-)
Abração
Daniel
Oi Daniel.
ResponderExcluirCada vez que venho aqui, além das suas ótimas dicas, fico rindo direto.
Essa do camarão desenrolado vem de longa data. Eu devia ter uns 15 anos.
Como sou do tempo em que se pescava com camarão (isso mesmo...CAMARÃO ROSA, de arrastão, que eu e meu pai pegávamos para isca antes da pescaria propriamente dita), o que sobrava das iscas era devidamente "limonado e salgado" e ia direto com os peixes pra panelinha com azeite e um dente de alho dentro (outra dica: use um dente de alho se fritar qualquer coisa que tenha passado por algum oceano). Dá um gosto de alho fraquinho no que foi frito, sem ficar enjoativo.
Essa do alho é by Vovó Rosa. Ela só frita com alho dentro até hoje, e quando ele doura, ela tira e taca outro dentro da frigideira/panela. De quebra você ainda fica com eles pra comer junto, sem dar bafão. Pra quem é casado, o bafo é irrelevante, porque as vítimas já devem ter se acostumado com as nossas tosquices.
Mas voltando as vacas frias (ou camarões estirados), apesar do tamanho sempre generoso, eu nunca gostei de comer os mesmos enrolados, parecendo aquele "bacon do palhacinho" que deve ser alguma mutação genética.
E como ele sempre enrola no mesmo sentido (tipo chute no saco), pensei: " - Porra, deve ter um dispositivo ali que faz isso. "
Desde então comecei a passar a faca no bucho deles.
Aliás, quando e se quiser, depois te passo um macete pra fazer qualquer coisa ficar com gosto de camarão, sem ter o dito lá dentro. Em vez de caldo de legumes, caldo de camarão, que pode ser congelado pra usar quando tiver que fazer uma média, mas o PDA estiver fechado.
E chega porque o texto ficou enorme mas fiquei com pena de reduzir. Já que você tem um trabalhão para bolar seus textos, nada mais justo do que nós leitores, ao menos mostrarmos que valeu a pena o seu esforço. :)
Leia e publique o que interessar (se interessar) e jogue o resto fora. No problem.
Abração
Ayrton Torres
Camarada, acabei de encontrar mais um ponto em comum contigo; esse lance de receita de vó. Tenho uma vó, a nonna, Dona Ivette, que cozinha horrores. Costumo dizer que atá o pão com margarina que ela faz é melhor do que os outros. E agora vc falou da D. Rosa e eu entendi tudo: vó é f-o-d-a!! A gente aprende a cozinhar sonhando em chegar aos pés dessas velhinhas.
ResponderExcluirBem legais as tuas dicas, cara. Zero viadagem quanto ao tamanho do texto. Sabe o que eu acho disso? Essa porra de blog tem um único objetivo: me ajudar a comer bem, e ajudar as pessoas que o lêem a comerem bem. Só isso. O mais legal disso aqui é a troca, porque todo mundo que tá aqui só quer uma coisa: comer bem. E dentro dessa maluquice, acho do caraio você dar essas dicas todas.
Inclusão digital é isso. Sem essa de direitos autorais, sem essa de reter conhecimento. O bacana mesmo é compartilhar!!
E vou te falar.. Acho que sou falastrão. Nem me dá trabalho escrever esses textos longos, porque eu si divirto escrevendo essas merdas. O que dá trabalho mesmo é reduzir antes de publicar, porque eles sempre ficam maiores. haha
Valeu compana!!
Abração
Daniel Rodrigues
Aliás, Ayrton.. queria te fazer um convite.
ResponderExcluirGostei da maneira que você escreve, e acho que as pessoas devem gostar também. E faz um tempo que eu quero inaugurar uma seção "receitas dos leitores". Gostaria de te fazer um convite e um pedido ao mesmo tempo: o que você acha de escrever uma receita tua, e eu publico com todos os créditos, em teu nome? Se quiser, manda pra danielwalterrodrigues@gmail.com
Valeu pela sua rica participação.
Abração
Daniel Rodrigues
Oi Daniel.
ResponderExcluirTopado.
Te mandei e-mail.
Abração
Ayrton